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terça-feira, 26 de maio de 2015

Cresce o número de filmes que têm o Brasil como coprodutor

Só em Cannes três longas com participação do país chamaram a atenção, entre eles o mais controverso do festival

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RIO — Basta olhar para o 68º Festival de Cannes, encerrado no domingo. O mais controverso filme do evento, “Love”, um épico erótico com cenas de sexo explícito em 3D, do argentino Gaspar Noé, é uma coprodução brasileira. “La tierra y la sombra”, dirigido pelo colombiano César Augusto Acevedo, que ganhou no domingo o troféu Caméra D’Or, destinado a realizadores estreantes, também. Assim como “Paulina”, do argentino Santiago Mitre, que levou o prêmio máximo da mostra paralela Semana da Crítica. A colaboração “foi um acerto”, resumiu, em nota, o coprodutor brasileiro do filme, o cineasta Walter Salles.


Na última década, a quantidade de filmes produzidos pelo Brasil em parceria com outros países não deixa dúvida de que a indústria cinematográfica verde e amarela está ampliando seu alcance. Em 2005, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) reconheceu a existência de apenas uma coprodução lançada comercialmente, “Diário de um Novo Mundo”, de Paulo Nascimento, feito em parceria com Portugal e Argentina. No ano seguinte, foram três. Em 2007, o dobro. Depois, o dobro de novo, chegando a uma dúzia de coproduções em que o Brasil aparece de forma majoritária, minoritária ou igualitária. Segundo os últimos dados da Ancine, o ano passado terminou com 14 filmes coproduzidos — uma leve queda em relação a 2013, quando houve o recorde de 21 coproduções. Ainda não há dados sobre 2015, mas, a julgar por Cannes, a fatia nacional em longas estrangeiros deve seguir forte.

‘O BRASIL NÃO PODIA TER SEU CINEMA ISOLADO’
Para profissionais do audiovisual, essa mudança no modelo de financiamento de filmes chega com atraso, mas é muito bem-vinda. Eles argumentam que as parcerias, comuns há anos mundo afora, viabilizam o financiamento de longas-metragens que em outras circunstâncias não teriam condições de sair do papel pela impossibilidade de um país bancar sozinho o orçamento. Mas também proporcionam a troca de experiências entre quem trabalha na área.
— Os argentinos nos ajudaram com pós-produção, trilha sonora, composição e mixagem — diz a produtora Walkíria Barbosa sobre a comédia “Divã a 2”, com Vanessa Giácomo e Rafael Infante, atualmente em cartaz. — Até o cabeleireiro era o mesmo que trabalhou em “O segredo dos seus olhos”. Profissionalmente, foi uma experiência excelente. O resto do mundo investe em coproduções há muito tempo. Nós entramos tarde nessa onda, mas o potencial é enorme e ainda vai crescer. Neste momento, aliás, estamos trabalhando com o México num remake de “Se eu fosse você”.
Mas, de acordo com Walkíria, é preciso aperfeiçoar os mecanismos que facilitam as parcerias:
— Ainda há um grande caminho a percorrer, especialmente em termos de desburocratização.
O governo diz que está fazendo sua parte. A Ancine anunciou para este ano um incentivo a coproduções sem precedentes na história do cinema brasileiro. São quatro editais binacionais que contemplam parcerias com Itália, Argentina, Portugal e Uruguai, além de uma linha do Programa Brasil de Todas as Telas, aberta na semana passada, que vai destinar R$ 5 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual para produções brasileiras com a América Latina. Ao todo, os pacotes beneficiam longas-metragens (entre ficções, documentários e animações) feitos em parceria com 22 países.
— Além de facilitar o financiamento e o intercâmbio de conhecimento, através do contato com novos métodos e talentos, a coprodução permite que o filme usufrua das condições que outros países têm de distribuí-lo em seus mercados, ampliando o seu alcance de exibição — diz o presidente da Ancine, Manoel Rangel, que atribui a nova política audiovisual à “percepção de que o Brasil não podia ter o seu cinema isolado do resto do mundo”. — Outro aspecto importante que até extrapola questões específicas do cinema é a possibilidade de o Brasil se aproximar dos países vizinhos, conhecer suas histórias e culturas.
Rangel destaca a importância de se coproduzir com países europeus, especialmente Portugal, a “porta para o continente a partir de uma língua em comum”. Mas justifica a formulação de um pacote de editais voltado especificamente para a América Latina:
— No Brasil, existe o hábito de se ridicularizar o Mercosul e achar linda a União Europeia, mas nosso país está profundamente associado à Argentina e ao Uruguai, por exemplo. Só temos a ganhar com ambos esses cinemas.
PRODUTORES JÁ PODEM CORRER RISCOS LÁ FORA
Segundo produtores, várias outras ações contribuíram para o desenvolvimento das coproduções. Eventos como o Rio Marketing, braço de negócios do Festival do Rio, e o programa Cinema do Brasil, que montou um espaço no último Festival de Cannes, trabalham há anos promovendo o encontro entre potenciais colaboradores internacionais. Mas os produtores são unânimes ao apontar o motivo crucial que resultou no atual panorama: o amadurecimento dos profissionais da área e o aquecimento do mercado após a Retomada, fatores que criaram a estrutura necessária para se lidar e colaborar com equipes estrangeiras.
— O Brasil conseguiu resolver a demanda de um mercado interno em ebulição, e chegamos a um patamar em que produtores e realizadores se arriscam no mercado internacional — avalia Fabiano Gullane, da produtora que leva seu sobrenome, responsável por seis coproduções de 2005 a 2014, incluindo “Amazônia”, do ano passado, tido como o filme franco- (o orçamento é estimado em R$ 26 milhões).
— Nós produzimos 30 filmes em 2002 — diz Manoel Rangel. — Em 2013, foram mais de 150. Na minha visão, isso significa que se tornou mais fácil produzir no Brasil e que apareceram mais produtores.
No domingo, ainda comemorando a notícia do prêmio para “La tierra y la sombra” em Cannes, a produtora Juliana Vicente, da companhia paulista Preta Portê, disse que seu trabalho no longa, embora compartilhado com a França, a Holanda e o Chile (além da Colômbia), foi o “coração do filme”. Juliana foi quem levou a preparadora de elenco Fátima Toledo para ajudar no projeto.
— A abertura do nosso mercado é extremamente necessária. As pessoas também querem ver mais o nosso cinema, que melhorou muito em questão de financiamento e fundos. O mundo voltou a olhar para nosso potencial como produtores — diz Juliana.

Fonte: oglobo.com

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